Paulo Gekas

Como criar música? Aplicando conceitos na análise de Samba de Verão

como criar música

O que tem a ver uma escala inventada há mais de 3000 anos, uma língua chamada esperanto e um tema de bossa nova? Como criar música a partir desses conceitos?

Aparentemente essa questão parece bem complexa… Entretanto, com alguns conceitos e uma visão analítica do processo criativo podemos entender como ideias e produtos ancestrais se recombinam para o surgimento do novo.

Conceitos sobre o processo criativo

A criatividade como qualidade máxima do ser humano tem sido objeto de estudo. Desta forma, atualmente já apresenta um corpo de descobertas bem importantes.

Segundo os autores Eagleman e Brandt (2017) o processo criativo pode ser entendido como três tipos diferentes de procedimentos que consistem em:

  • entortar
  • quebrar
  • mesclar

Esses processos acontecem no mundo das artes em geral mas também em outras áreas como filosofia, educação e ciência.

Em música podemos entender esses conceitos da seguinte maneira:

1 – Entortar

Trata-se de uma atividade próxima à interpretação e ao arranjo, em que sutis mudanças no texto original permitem uma execução única e de certa maneira, nova.

2 – Quebrar

Já entra na área da composição e da improvisação, em que maiores mudanças e variações literalmente quebram as frases, transformam os acordes, modificam os timbres e ritmos. O resultando consequentemente, é algo bastante distante da ideia original.

3 – Mesclar

Consiste em combinar ideias aparentemente desconexas, mas que depois da “mesclagem” fazem todo o sentido. Como por exemplo, o sub gênero do jazz designado fusion. Ele se configura como uma mistura de jazz com os mais diversos gêneros como salsa, rock etc…

É preciso dizer ainda que todo o processo criativo se dá em nossos cérebros.  Diferente das demais espécies, no homem, apresenta um grande emaranhado de rede neurais que produz naturalmente uma diferença entre o que entra como percepção e o que sai como ideia ou ação.

Como criar música utilizando esses conceitos?

Agora vamos voltar a questão inicialmente apresentada.

A escala milenar é a pentatônica.

Não vou entrar aqui nos detalhes mas como já afirmei em outro post. Entendo essa escala mais como um elemento melódico do que uma sucessão de notas.

Trata-se de um elemento melódico “paradoxal” rico em contraste e unidade.

O contraste vem das diversas cores produzidas por seus intervalos e saltos, que até quando tocados na sequência escalar soam equilibrados.

Uma outra constatação é que essa qualidade estética justifica não apenas sua invenção e uso, mas ainda sua atual função como elemento “coringa” em uma infinidade de gêneros e estilos. Essa escala é uma espécie de elemento musical universal uma síntese dos principais elementos musicais…

Relação entre Esperanto e escala pentatônica

Neste ponto podemos entrar com o Esperanto. Mas não sem antes dizer que os inventores da pentatônica assim como os criativos músicos que reinventam os usos desta escala, assim como qualquer outro produto também estão sujeitos ao entorno cultural e dependem da aceitação do público.

Digo isso porque enquanto na música temos este elemento musical que circula globalmente mantendo-se vivo na memória e na cultura, houve há mais de um século a tentativa de criar uma língua universal, que facilitasse a comunicação em tempos de eminente globalização.

Muitas foram as tentativas e o Esperanto é uma dessas. E também é uma forma de mesclagem, já que foi criada a partir de processos como entortar, quebrar e mesclar elementos de outras línguas. Porém, diferente da pentatônica que foi adaptada para uma série de diferentes usos o esperanto não se popularizou.

Tema de bossa nova – análise

Já o tema de bossa nova que analiso aqui é o samba de verão (Marcos e Paulo Valle).

E aqui arrisco dizer que se trata de um processo de mesclagem, em que os elementos originais se fundiram de tal maneira que apenas uma análise mais fina permite localizar as diferentes matérias primas.

Nesta canção e de maneira bem sintética, a escala pentatônica foi empregada para a composição da melodia inicial em uma abordagem diferente das que vemos em outros gêneros como o blues ou o jazz. Neste tema a abordagem modal fica mascarada por uma outra estratégia denominada: nota alvo, além dos elementos característicos da Bossa Nova.

No primeiro compasso dos sistemas abaixo podemos ver a primeira melodia de Samba de Verão, sendo o alvo a nota ré, com dupla aproximação, diatônica ascendente e cromática descendente.

No compasso ao lado, a pentatônica de lá “blues menor” para uma comparação direta… Verificamos que as notas são as mesmas, mas agora em uma “mesclagem” perfeita, em que uma escala milenar se mistura com um sub-gênero do samba. O resultado não deixou rastro da sonoridade bluezzy, geralmente associada a escala em tempos modernos…

COMO CRIAR MÚSICA

 

Analisar o processo criativo também é um ato criativo! A análise detalhada sempre foca em algum aspecto, e as considerações podem levar a um novo processo criativo. Pois, ao retirar uma parte de um todo podemos transformar essa parte em algo novo, pelos processos anteriormente apresentados.

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Segue uma vídeo aula com análise aprofundada do tema Samba de Verão que também irão auxiliar você no processo de como criar música:

 

 

 

Referências

  1. David, Eagleman e Brandt, Anthony. Como o cérebro Cria. Intrínseca: 2020.
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About Paulo Gekas

Paulo Gekas é violonista, guitarrista, arranjador, compositor, professor e diretor musical, licenciado em música e mestre em educação e cultura pela UDESC.

2 thoughts on “Como criar música? Aplicando conceitos na análise de Samba de Verão

  1. Natanael Alves da Palma neto disse:

    Gostei muito do desenvolvimento e instruções.

    1. Rogério Schmidt disse:

      Gratos Natanel

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